Era esse o homem que habitava a casa da vinha sobre a Rocha. Verão atrás de Verão, Inverno após Inverno, os seus olhos seguiam o andamento das nuvens, a que dava nomes quase familiares como Boca da Baleia, Cabeça do Toiro ou Nuvem da Prainha. E, ao decifrar o seu perfil transitório, de cada uma delas recebia notícias do futuro: o caminho e a cavalgada dos ventos, as longas estiagens e as suas fomes, a arribação dos pássaros, o corpo dado à costa sobre um pranchão de naufrágio.
Creio que lhe chamavam o Sábio e procuravam-no sempre antes das pequenas ou das grandes viagens que poderiam alterar os rumos da vida; mas o seu fascínio talvez resultasse mais desse modo que tinha de escapar ao imediatismo do quotidiano para se entregar ao desvendamento do mistério das coisas, à leitura dos sinais que orientam os passos de cada dia.
De certo e seguro apenas sei que, quando morreu, em vão tentaram homens e mulheres baixar–lhe as pálpebras sobre o seu definitivo sono. Por isso, a imagem última que dele retenho é a dos seus olhos transparentes de tanto olhar o céu.
(Que paisagem apagarás)