José Martins Garcia e Daniel de Sá: diálogos com Gaspar Frutuoso

Para ser mais rigoroso, o subtítulo do meu texto devia substituir Gaspar Frutuoso por o discurso ou discursos da história. Isto permitiria dar melhor conta da amplitude do objeto desse diálogo, que em José Martins Garcia não se limita ao cronista quinhentista. Seja como for, o mais relevante, neste caso, será realçar aquilo que sumariamente  aí se enuncia: o texto de Gaspar Frutuoso como propiciador da aproximação  de dois escritores tão distanciados entre si como José Martins Garcia e Daniel de Sá, em termos de escrita, de compreensão ou visão   do mundo e também  dos modos de  representá-lo. No primeiro deles, uma visão pessimista anula a possibilidade de um qualquer amanhã (mesmo daqueles  que não cantam) e até o passado só existe enquanto matéria que a memória revolve de forma exacerbada no seu desespero e na sua angústia e  que alguns narradores transformam em simples produto contrabandeável. Em Daniel de Sá, uma visão construtiva e finalística (teleológica) da história, sujeita, portanto, a um progressivo aperfeiçoamento, proporciona o traço de esperança que, em regra, lança um rasto de luz,  mesmo que breve, sobre as ruínas da humanidade e dá sentido ao percurso individual.

Nisso residirá, estou em crer, uma parte da explicação para o diferente modo como cada um dos dois autores do século XX se aproxima do texto de Gaspar Frutuoso, o convoca,  relê  e  reescreve, para lá de aspetos que traduzem um comum ponto de partida ou de vista.

O romance A Fome (1977), de Martins Garcia, e a Crónica do Despovoamento das Ilhas (1995), de Daniel de Sá, constituem o objeto da minha  análise, que representa simplesmente o primeiro e curto passo de uma abordagem mais desenvolvida e aprofundada.

A Fome poderá entender-se essencialmente como um romance de personagem, se atendermos a que textualiza o percurso do jovem estudante  António Cordeiro, narrador da sua própria experiência, uma experiência de iniciação na vida e nos seus mistérios, seja ela a do “mundo abreviado” (V.  Nemésio) da ilha (Pico, Faial), seja a do grande mundo, de que Lisboa é apenas a parte do todo (França, Estados Unidos em narrativas posteriores).

Todavia, e a um outro nível, o percurso individual é indissociável de um percurso colectivo, torna-se  a concretização particular  de um destino  que se projecta sobre a personagem como manifestação de uma fatalidade histórica, até porque a viagem  marítima que António Cordeiro empreende para Lisboa em 1956 apelará a outras viagens e a um destino   colectivo de errância que uma visão apocalíptica propicia: “o fim do mundo já acontecera: e Deus salvara uns, condenara outros, e deixara os restantes a vaguear” (Garcia, 2016: 17).

Mas António Cordeiro é um narrador-protagonista com algumas particularidades, dado que ao longo do seu relato se vai metamorfoseando e assume  várias vozes e rostos, em articulação com determinadas «estratégias metatextuais» delineadas desde o início através da citação de excertos de três cronistas açorianos: Gaspar Frutuoso, Frei Diogo das Chagas e António Cordeiro.1 Incorporados no discurso, por vezes mesmo objeto de apropriação por parte de um outro  narrador que os apresenta como seus (Garcia, 2016: 28), os fragmentos selecionados por Martins Garcia, de notória dimensão  lendária, veicularão  uma perspetiva hoje problematizável da história insular. As citações em causa não se apresentam como simples argumento de autoridade, a caucionar uma afirmação própria e a dar-lhe credibilidade e consistência, ou como exercício de ostentação de saberes e de utensilagem textual; nem sequer reclamam, ou o autor reclama para elas, o estatuto de fontes documentais ao serviço de uma reconstituição histórica, para o que poderia apontar, num primeiro momento, a sua natureza de crónica sobre as ilhas e a formação da sociedade açoriana (mesmo que não exclusivamente sobre estas). Na verdade, A Fome não é um romance histórico (veja-se  o modelo enunciativo), não se conjuga com o modelo tradicional do género, que se propunha, entre a ficção e os referenciais empíricos, a configuração de uma determinada época, com as suas personagens e ambientes.

Os excertos citados tornam-se funcionais pela interpretação que deles faz o narrador, pela leitura «crítica» a que os submete, confrontando-os uns com os outros e estabelecendo-lhes uma organização hierárquica, pelo menos em relação a alguns conteúdos narrativos (mais válidos uns do que outros), tudo isso num diálogo nem sempre reverencial e acomodatício com esses antecessores. Numa breve anotação sobre Frutuoso, afirma o narrador  em nítido  distanciamento irónico: «O doutor Gaspar Frutuoso, ministro de Deus e divulgador de fábulas, cronista e ficcionista por graça da verdade e da mentira» (Garcia, 2016: 22). Se a «mentira» se coaduna com o estatuto do autor de ficção que Gaspar também foi, a «verdade» já não parece adequar-se ao «divulgador de fábulas» e estas ainda menos ao estatuto de  cronista. E ao comparar António Cordeiro com Frutuoso, escreve que o primeiro  «conseguiu, em muitos aspectos, superar em grandeza suspeita o testemunho atribuído a Gaspar Fructuoso…» (Garcia, 2016: 20).

 A crónica quinhentista (e a posterior) está, deste modo, sob suspeição e Martins Garcia aproveita dela alguns aspetos mais problemáticos do ponto de vista histórico, isto é, fantasiosos ou lendários, para os integrar no discurso narrativo, fazendo-os participar na sua matéria ficcional, lado a lado com as fábulas provenientes da tradição oral.  A Fome abre com o relato do episódio vagamente fabuloso de Dona Matilde, a explicadora de francês, que será posteriormente interpretado como imagem especular de outro já relatado por Frutuoso e António Cordeiro:

«Surgira glorioso o corpo nu da mulher, diante da tripulação embasbacada do barco que rumava a Nova Iorque. Por um caprichoso esquecimento, a fábula não relata todas as consequências de tamanho despudor. Dona Matilde, por graça da cútis fulgurante, deitou-se num sol de lenda, entre as costas americanas e os penedos atlânticos, prostituída e santa como Maria Madalena. E o pai, fidalgo de cepa flamenga, atirou-se borda fora, lavando a desonra no mar sulcado, em primeira mão, por seus antepassados.» (Garcia, 2016: 15).

A inscrição histórica da aristocracia flamenga e das viagens para oeste e ainda a dimensão profana do episódio afastam-no do sentido místico e religioso que atravessa o episódio original em Frutuoso (reescrito por António Cordeiro), onde a visão da mulher vestida de branco (afinal, o Demónio disfarçado de Virgem Maria) era também um apelo à descoberta e à viagem (de perdição) entre o Faial e o Pico:

«…respondeu [o Ermitão] que da vizinha ilha do Pico lhe aparecia uma mulher vestida de branco, que o chamava de lá, que se fosse para ela, e que por lhe parecer que era a Virgem Senhora, fazia aquele barquinho, de couro por fora, e determinava de passar lá quando a Senhora outra vez o chamasse: os que o ouviram o tiravam disso, e contudo o Ermitão ficou acabando o seu barquinho e se meteu nele ao mar, e nunca mais foi visto nem achado; e assim o demónio com capa de santidade fez morrer aquele Santo Ermitão, sem dele nem do barqueiro se saber mais.» (Garcia, 2016: 20-21).

 O romance terminará, em movimento de circularidade ou de retorno cíclico e explicitando o próprio processo da escrita, com a recuperação da sua frase inicial e em articulação direta com o fragmento do cronista acabado de transcrever acima, num contexto de diferente significação. Mas, ao longo da narrativa, a «aparição» fora sendo retomada como um elemento da diegese, «a mulher de branco» surgira, metamorfoseada, a personagens diversas e em circunstâncias distintas umas das outras, tornara‑se como que um leitmotiv, estabelecendo uma determinada articulação da narrativa e uma afinidade entre os seres que a povoam.

A opção por um narrador que conta a sua história (autodiegético), cujos marcadores formais só se tornam manifestos no segundo parágrafo da obra, é uma estratégia que permite ao narrador  transmutar-se ao longo de cinco séculos, assumir diferentes papéis e vozes, ora singulares, ora plurais (o «nós») e transportar‑se para espaços tão distantes e díspares, condensando em si uma «sobrecarregada memória» de fome, peste e terramotos que é, em síntese, a da condição insular açoriana e da dispersão no mundo. Em nome de uma auto-designada «estética da transmigração», o narrador de A Fome pode, sem transição, ser o «eu» do Constantino caçador de baleias (Garcia, 2016: 124) e do Belarmino preso na Vila da Madalena (Garcia,2016: 100 e 103) ou o «nós» dos bravos do Mindelo (Garcia, 2016:  182). E pode ser igualmente a vítima escolhida para o retorno do episódio do dr. Fernão de Pina Marrecos relatado pelo cronista (Garcia, 2016: 22-24), num processo cíclico  que atesta a permanência de mecanismos feudais de dominação e opressão social  ainda em meados do século XX.

O facto de o narrador também se chamar António Cordeiro proporciona-lhe a possibilidade de interpelar o cronista e o seu texto num jogo especular e de constituir‑se como uma réplica de alguns dos seus dados biográficos, inclusive no ofício da escrita e no registo da memória pessoal e alheia: «E no silêncio do quarto ou do claustro, uma mesinha para escrever. Talvez continuar a História Insulana das Ilhas a Portugal Sujeitas, suspensa no ano de 1715, em presença desse absurdo chamado Morte…» (Garcia, 2016: 149). Este hipotético  prolongamento que A Fome representaria faz‑se, porém, em moldes enunciativos muito particulares, pois organiza‑se em torno de uma personagem central que relata o seu percurso num período de tempo preciso, de 1953 ao início dos anos 60, e é nessa história individual e contemporânea que vêm inscrever‑se alguns acontecimentos da história coletiva remota e, sobretudo, o retorno  das experiências de cinco séculos, replicando-se no presente como um estigma original, o da insularidade enquanto geografia e história.

A recorrência do nome António Cordeiro na ficção de Martins Garcia não pode passar sem a consideração do investimento semântico de que é objeto por parte do autor. Antes de chamar‑se «Carvalho Araújo», o navio em que o protagonista  de A Fome viaja tinha tido o nome do cronista  António Cordeiro, que, «em hora de blasfémia monopolista, uns senhores de São Miguel haviam obscurecido.» (Garcia, 2016: 25). Se a atribuição do nome ao narrador veicula valores simbólicos associados à história e ao seu relato, a aplicação ao navio, mesmo já rasurada, associa‑lhe conotações do campo da viagem e das suas vicissitudes, que, aliás, é um dos elementos biográficos do cronista recuperados para o discurso e para a experiência de vida do narrador de A Fome. Valores simbólicos continuados ainda com a  escolha do nome de António Cordeiro para narrador-protagonista do romance  Imitação da Morte,  com implicações que amplificam aqueles aqui referidos.

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Em Daniel de Sá, o diálogo com o cronista quinhentista estabelece-se desde logo, mesmo que de forma indireta,  com o título do seu livro, Crónica do Despovoamento das Ilhas, em que  uma inversão semântica contrapõe um sentido de crónica divergente do  da obra de Frutuoso, que fez da ocupação,  desbravamento e povoamento  do espaço insular a  matéria da sua narrativa.

O  livro de Daniel de Sá chama  para título o mesmo da sua última narrativa, «em que  se fala das causas que levaram muita gente a sair das ilhas e de como era feita a viagem para a Terra de Vera Cruz», como se pode ver na descrição-síntese que antecede o relato (p. 182). Essas causas são de natureza geográfica e geológica (a erupção do Capelo em 1672), mas sobretudo económica, com a degradação  da vida social, o aumento progressivo da penúria, a substituição da fartura pela pobreza, de que apenas «escapavam os privilegiados por títulos rendosos ou bem providos de cargos públicos» (p. 187). Situando  a ação/a viagem nos finais do século XVII (isto é,  um século após a redação da crónica de Frutuoso), a narrativa de Daniel de Sá configura já o reverso da história, ou enuncia talvez uma história nova, aquela cuja matéria será predominantemente  a fuga e a dispersão. Em todo o caso, não deixa de sentir-se  aqui ainda o eco de Frutuoso, que no seu texto registara o suposto aviso do Infante D. Henrique, o qual  «dizem que disse que os primeiros povoadores roçariam e os filhos comeriam, os netos venderiam, e os bisnetos fugiriam» (Frutuoso, I: 59).

Por outro lado,  graças a  um poder de mimetização da prosa de  quinhentos,  com o seu discurso chão, o gosto pelo contraste e o balanceamento perifrástico, e lançando mão de um léxico e de uma sintaxe arcaizantes, a escrita de Daniel de Sá ganha o tom e o ritmo que, por este lado, a colocam em diálogo direto com a de Gaspar Frutuoso.

Esse diálogo direto pode situar-se ainda a outro nível, com o cronista «moderno» a convocar  o texto de Frutuoso e a  comentá-lo, num processo de evidente distanciação  irónica:

«Mas ainda, e por lembrar fenómenos vegetais, que mais tarde viriam a transferir-se, como se sabe, para o Entroncamento, refiram-se os nabos a que Frutuoso alude, e cresciam no termo de Ponta Delgada, chegando a ter o tamanho da cabeça de um homem, e outros mais, o que seria de grande proveito se não fossem ocos. Assim  que, ao facto de Frutuoso comparar nabos ocos a cabeças de gente, sucedeu o nosso costume de comparar a nabos as cabeças mais vazias.» (Sá, 1995: 70)

Este  cronista «moderno» balança-se entre o presente e o passado (aqui a referência ao Entroncamento, noutro lado a Foz Côa), chama a si o estatuto de comentador avisado e preocupado em bem formar o leitor, por vezes ostensivamente mais informado que o seu antecessor e discutindo-lhe as explicações e os termos científicos, outras vezes sentencioso e ingenuamente  opinativo, o  que é ainda uma forma de ironia; ou então subvertendo o sentido da história e a lógica dos comportamentos expectáveis e desfazendo o jogo do decoro e das aparências sociais, como no episódio das freiras de Vale de Cabaços, hoje Caloura, ameaçadas por um barco  de piratas. Sem hipótese de auxílio institucional, dada a lentidão da burocracia, tendo-se os camponeses posto em fuga, o socorro veio, afinal, de algumas mulheres de  Água de Pau

que desceram até às pedras do porto, dispostas a  defender a honra das professas sacrificando a sua, se preciso fosse, ainda que, sem confissão declarada, entre si caladamente entendiam que tal perda não lhes seria desgosto… Não eram aqueles homens valentes por serem corsários e galantes por serem franceses? (Sá, 1995: 73)

É certo que, no final do episódio, Deus encarregar-se-á de proporcionar uma solução conveniente à boa ordem do mundo e das almas, com  o  mar cada vez mais tempestuoso levando os franceses a tratarem da própria vida. Talvez essa intervenção divina seja o resultado das preces das freiras, pois diz-nos o narrador que elas, «no convento, disfarçavam o seu santo pavor em orações ardentes para que os franceses não alcançassem terra, enquanto, mais abaixo, as voluntárias a salvadoras da sua honra rezavam em silêncio para que o mar amainasse…» (Sá, 1995: 73)

A folha de rosto de Crónica do Despovoamento das Ilhas  traz em localização subtitular e parentética a seguinte descrição que constitui o desenvolvimento daquela  que já constava da capa: e outras cartas de El-Rei, ou a ele dirigidas, e em que se trata também de muitos outros feitos que a propósito se contam. Trata-se de uma descrição que, para lá do mais, comporta uma informação sobre procedimentos internos, especificamente o recurso ao género epistolar como suporte ou moldura para o relato de um conjunto de  acontecimentos insulares (ou com estes relacionados, se pensarmos, por exemplo,  na carta de D. Manuel em resposta a outra de Inês da Cunha).

Neste contexto, quer em transcrição direta, quer apresentadas e comentadas por uma voz externa,  as cartas facilitam o acesso a acontecimentos pessoais  (como a de Inês Cunha), a queixas individuais  ou institucionais em que tanto se  inscrevem problemas sentimentais como os sinais e a denúncia do desregramento do serviço e dos gastos públicos, num jogo de (dis)simulações em que, por vezes e   a partir dos  signos do passado e da sua organização narrativa,  se podem facilmente detetar  as marcas da contemporaneidade do leitor.

Exemplar neste aspeto, enquanto ato de denúncia e exercício de humor,  é a «carta supostamente atribuída a Gaspar do Rego Baldaia, e que seria para enviar a El-Rei D. João III, na qual se queixa de um jogo de canas entre cavaleiros de S. Miguel e da Terceira organizado pelo Dr. Manuel Álvares». (Sá, 1995:  44-49). Escrita para denunciar os gastos e desperdícios de dinheiro por parte deste último, desta vez  a propósito de um jogo de canas programado com o objetivo de assinalar  a inauguração de  um marcador dos resultados do jogo, a verdade é que os símbolos identificadores de cada uma das equipas contendoras reenviam  de forma óbvia para outro desporto e o jogo de canas não é mais do que uma partida de futebol entre o Santa Clara e o Lusitânia, Que através disso se veicule a crítica a uma política da ostentação e do «pão e circo» é facto que resulta apenas da arte do  escritor, em que os anacronismos e os comentários do autor da carta proporcionam uma dupla leitura, a do passado e a do presente.

Daniel de Sá terá sido o escritor da sua geração com um mais seguro e aprofundado conhecimento da história, e não apenas da insular (cito sem rede um depoimento de  Avelino de Meneses). Isso nota-se no interior da sua ficção, no aproveitamento que dela faz em diferentes moldes e situações. O  caso de  Crónica do Despovoamento das Ilhas, que abrange outros domínios temporais para cá  dos  referenciados por Frutuoso,  constitui um momento particular de revisitação intensiva da história insular, aquela história miúda que houve  e também aquela  que podia ter havido (e já no domínio da ficção). Também esta última entra em diálogo com Frutuoso, na medida em que se apresenta como um aditamento à crónica de quinhentos, uma espécie de adenda em cujo interior o passado insular se constrói como uma «invenção», que, mesmo sendo-o, não deixa de lançar alguma luz sobre  o tempo histórico e as suas gentes.

Ao contrário do que acontece em Martins Garcia, onde por vezes encontramos comunidades a que a história nem sequer  chegara, em Daniel de Sá a história é um processo dinâmico, em que intervêm homens concretos, as suas glórias,  pequenas ou grandes, com as suas fraquezas  e misérias,  mas capazes de redimir-se. Isto poderá explicar o grau de controlado  otimismo, talvez antes bonomia, com que a própria  história é vista, com base na crença  de que há sempre uma réstia de bondade que dá sentido aos factos e aos gestos individuais e coletivos. «Se a Humanidade resiste a tantas coisas más é porque será decerto melhor do que parece»  – conclui sentenciosamente um dos narradores de Crónica do Despovoamento das Ilhas.   

Ponta Delgada, 11 de março de 2016

(Encontros Daniel de Sá)

NOTA

[1] Gaspar Frutuoso (1522-1591) nasceu em Ponta Delgada em 1522 e faleceu na Ribeira Grande em 1591. Frequentou a Universidade de Salamanca, onde se bacharelou em Teologia. Autor de Saudades da Terra, crónica que aborda os arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde na perspetiva de um único espaço atlântico.

António Cordeiro nasceu em Angra do Heroísmo em 1640 e faleceu em Lisboa a 22 de fevereiro de 1722. Filósofo e historiador, estudou Filosofia e Teologia na Universidade de Coimbra, em cujo Colégio das Artes lecionou. Como historiador destaca-se pela História insulana das ilhas a Portugal sujeitas (1717), que tem como fonte principal o manuscrito de Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso.

Frei Diogo das Chagas nasceu em Santa Cruz das Flores, em finais do século XVI e faleceu em Angra do Heroísmo, já na segunda metade do século XVII. Historiador, deixou-nos, entre outras obras, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores,que também acusa a leitura de Gaspar Frutuoso.

REFERÊNCIAS

Gaspar Frutuoso (1984), Saudades da Terra, vol. 1. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada.

Daniel de Sá (1995), Crónica do Despovoamento das Ilhas. Lisboa, Edições Salamandra.

José Martins Garcia (2016), A Fome. Abertura de Luiz Antonio de Assis Brasil. Lajes do Pico, Companhia das Ilhas.   

José Martins Garcia

 – a linguística vai à guerra

No interior da narrativa de Martins Garcia, a instituição militar e a guerra em África  constituem um domínio temático de relevo e bem identificado, ao lado de outros como o insular açoriano, sobretudo, e o lisboeta. Objeto de tratamentos narrativos diversificados, os dois tópicos coincidem, todavia, naquilo que é uma  perspetiva comum de crítica dos  mecanismos e procedimentos militares que se traduzem, em última instância, na anulação do homem, no seu  rebaixamento a uma condição de pura irracionalidade.

Lugar de Massacre é, neste aspeto,  o romance de uma experiência-limite nos pântanos guineenses, escrito num registo demencial em que o burlesco e o grotesco enquanto estratégias de deformação propiciam a visão de um universo de aviltamento e  de exposição da  animalidade que subsiste  no fundo de cada homem. Experiência tão mais (auto)destrutiva porquanto ela se polariza em Pierre d’Avince, uma personagem cujo ceticismo radical o impede de tomar uma decisão, ainda que uma  lucidez extrema lhe permita ver claramente visto o desastre coletivo  que atinge todos,  brancos e  negros, civis e militares, milicianos ou de  carreira.

Mas a verdade é que o tema atravessa toda a obra de Martins Garcia e surge mesmo já em Katafaraum é uma nação,[1] um conjunto de «crónicas» e narrativas publicado em fevereiro de 1974 e cujo pendor crítico e satírico é dominante, mesmo naqueles casos em que uma «escrita oblíqua» exige um processo de leitura em moldes  idênticos.2 Nesta obra, o último dos três «ciclos» da segunda parte intitula-se  «Linguagem» e é composto por duas narrativas:   «Competência» e «Performance».

Para quem fez a travessia linguística dos anos setenta e oitenta torna-se fácil identificar a sombra de Chomsky neste  jogo de títulos, que recuperam  dois conceitos provenientes da gramática generativa:  o primeiro respeita ao «saber interiorizado que os falantes de uma língua possuem»  e que lhes permite comunicar,  realizando, pondo em prática  novos  enunciados em novos contextos (ou seja, a performance).3

Já na primeira secção da obra uma crónica intitulada  «Elogio da Competência» convocava explicitamente Noam Chomsky: «Vinte séculos antes de Chomsky, a elite katafaraónica, em cuja sabedoria se haviam depositado as eternas verdades, já tinha estabelecido uma distinção categórica entre «competência» e «performance» (Garcia, 2017: 75). A ironia começa com a marcação cronológica «antes de Chomsky», que permite a redução às iniciais  a.c., que ambiguamente reenviam também a «antes de cristo», assinalando o estatuto de que o divino Chomsky desfrutava por esses tempos.  Depois, através de  uma série de jogos etimológicos e semânticos (por vezes, de pura tautologia) o autor procede a um exercício de composição crítica sobre os costume e os modos de vida em Katafaraum, os rituais de aprendizagem e a aquisição de competência com vista ao desempenho de uma profissão, com a consequente ascensão numa sociedade  hierarquizada, do competente-mínimo ao competente-crítico, cujo mérito «era directamente proporcional ao número de vítimas» (p. 76).

Para lá disso, a investigação etimológica sobre  «performance» leva a descobrir na palavra o efeito de uma metátese: a palavra original é «preformance», derivada de

«pre + formar + ânsia; isto é, a ânsia de (se) formar antes, melhor dizendo, a ânsia de nascer formado. Por  outro lado, «preformar» mediante queda do p inicial (queda justificada pela evidente imoralidade daquele fonema!) pode muito bem significar «reformar». E aqui é que bate o ponto: a PREformance é nem mais nem menos do que o estado de quem nasce reformado.» (idem, p. 76)

O desenvolvimento irónico levado a cabo pelo narrador revela-nos que esse privilégio de nascer reformado  dependia,  do «grupo sanguíneo do katafaraónico», o que é uma forma de denunciar a existência de uma casta familiar no interior da sociedade, pois,  conclui, os «preformados-reformados não estavam sujeitos a qualquer prova de competência. Nasciam cultos, eruditos, sapientes, indiscutíveis, realizados, reformados, preformados, performados.» (idem, p.77)

É diferente o tratamento a que são sujeitos os conceitos «competência e «performance» na última parte de Katafaraum é uma nação. Transcontextualizados ironicamente, eles recobrem duas fases da experiência militar em espaços e tempos diferentes (a da formação e aquisição de competências e a da aplicação prática dos saberes, a da «performance»); essas fases ou momentos articulam-se  mediante a personagem Ramalho, que «migra» de uma para a outra, soldado-cadete na primeira situação e já alferes miliciano na segunda.

Embora sem referências explícitas aos lugares da ação, algumas informações indiretas e alusões permitirão identificá-los como Mafra(no tempo da instrução) e, depois, a Guiné (em situação de combate) e essa ocultação será apenas um dos subterfúgios utilizados para não provocar a atenção (e a intervenção) desses leitores vigilantes que eram os censores institucionais. A  isso poderá juntar-se igualmente, na primeira narrativa, a existência de personagens com nomes impronunciáveis e estranhos ao corpoe ao sistema  da língua portuguesa, como Tww, Gwlyx, Btyx, por exemplo.4 Mais do que a simples identificação dos lugares, importa, no entanto, ver como em ambos os casos se procede a uma exploração e aprofundamento do incongruente e do absurdo da lógica militar,  acabando esta  por desembocar na  anulação do que poderemos considerar a dimensão individual e pessoal das personagens.  

Em «Competência», sobretudo, é manifesta esta última vertente, com a representação do carácter artificial de toda a instrução prática com vista à aquisição da competência: a sua natureza de guerra planificada e submetida a um jogo de ordens e contraordens, um puro simulacro mecanizado5  cujo resultado final se traduz no burlesco que o narrador se encarrega de explicitar pontualmente: «o bravo alferes mandou fazer alto, para improvisar a vitória»  (Garcia, 2017: 142). Num  processo diferente, a descrição pormenorizada amplifica e denuncia esses jogos de guerra, perfeitamente previsíveis, aliás,  e suscetíveis de serem contornados pelo calculismo e pela astúcia individual:

Circulavam terríveis boatos quanto à ferocidade do inimigo: viria pela calada, iludiria as sentinelas inexperientes, destruiria as barracas, faria prisioneiros e mortos simulados. Diziam os soldados-cadetes melhor informados que, em tais circunstâncias, o melhor era ser-se imediatamente morto. O inimigo deixava os mortos no solo e estes teriam apenas a maçada de reconstruírem as barracas; quanto aos prisioneiros, tinham de acompanhar o inimigo até a um problemático acampamento, às vezes situado a muitos quilómetros de distância. Depois dum dia esgotante, mais valia a morte simulada. (Garcia, 2017: 148).

A incongruência e a dimensão burlesca da narrativa assentam, implicitamente, na distância que se sabe existir entre uma guerra simulada e uma outra verdadeira, a sério, imprevisível e impossível de conter em absoluto dentro de modelos pré-definidos, e sem que se possa estabelecer entre as duas uma relação de implicação e de causalidade no plano da eficácia. A situação inesperada do soldado-cadete Ramalho, «muito embevecido pela beleza do poente» em pleno campo de batalha, atesta a pouca consideração que lhe merecem a dor resultante da lesão física e, sobretudo, o desenrolar dos instrutivos acontecimentos bélicos.

Mas o burlesco assenta também, a nível explícito, nos jogos efetuados com o lexema «competência», na deriva semântica a que é submetido no fluir da narrativa e nas articulações textuais que vai estabelecendo. É no momento em que se vê «munido da competência advinda das grandes manobras» (Garcia, 2017:151) que o soldado-cadete Ramalho se descobre incompetente para regressar ao quartel, devido à fratura do pé direito.

E  é também um jogo com o vocábulo-título que provoca o bloqueamento da ação e a confirmação do absurdo da burocracia militar. Ao dirigir‑se ao alferes para solicitar um meio de transporte adequado à sua situação de lesionado, Ramalho recebe como resposta: «Apresente-se ao nosso capitão e exponha-lhe o caso… Isso está acima da minha competência!» (Garcia, 2017: 152); apresentando-se ao capitão, este devolve-o à procedência com uma resposta de sentido contrário: «Isso é para ser resolvido pelo seu alferes. Está abaixo da minha competência!» (idem, 152). Perdido entre estes jogos de linguagem e as sucessivas manifestações de não competência, empurrado de um para outro agente da hierarquia militar, o soldado-cadete Ramalho é um joguete de diferentes poderes individuais, privado de palavra, que só virá a ter quando for promovido a alferes, mas num contexto de guerra efetiva em que a palavra já pouco peso tem no cômputo da vida e da experiência imediata.

Uma parte do sentido geral de «Performance» é função do contraste que permite estabelecer com a narrativa «Competência», numa dicotomia existente já no contexto metalinguístico original e transposta aqui para o domínio da teoria (militar) e da realização prática. A existência de uma mesma personagem, Ramalho, como protagonista de ambas as narrativas permite interpretá-las sequencialmente como uma história única em dois tempos e dois espaços, separados por uma elipse que justifica esta transposição e a promoção do soldado-cadete a alferes miliciano.

«Performance» abre com a chegada de Ramalho a Takiá, «mal refeito do pifo e muito picado dos mosquitos, com os olhos inchados e os braços quase em carne viva» (Garcia, 2017: 153). Apesar da natureza críptica ou camuflada do topónimo, alguns elementos avulsos do discurso descritivo ajudam a descodificá-lo como sendo a Guiné‑Bissau (na altura, apenas a Guiné portuguesa do discurso oficial): o esplêndido verde, a planura enorme e, sobretudo, a presença do vocábulo «bolanha».6 Mas esse é apenas o reverso paisagístico do reduzido espaço do quartel e nem sequer totalmente pacífico e tranquilizador, pois nele se escondem perigos vários, o que torna o incapaz de motivar o olhar contemplativo ou, pelo menos, demorado do protagonista: funciona apenas como moldura exterior aos muros do quartel, em cujo interior desfilam, afinal, as personagens e se desenrolam os pequenos episódios de um quotidiano que o alferes miliciano Ramalho vai descobrindo progressivamente, por entre a estranheza e o distanciamento ou sobranceria.

A iniciação do novato alferes no mundo real da guerra (isto é, não encenado, não teatralizado) propicia a revelação de um microcosmo em que o rigor e o ritual da disciplina militar alternam com o desmazelo seu contrário. Além disso, as questiúnculas interpessoais, próprias de um espaço claustrofóbico e da situação de desconforto físico e psicológico, contribuem para o mau ambiente humano e fomentam a existência de intrigas, pequenos rancores e invejas. Por vezes, um discurso narrativo despojado e seco acentua o desgarramento e a clausura individual das personagens no decurso de um tempo arrastado, de tédio, em que a ação se reduz a uma acumulação de gestos mecânicos e desarticulados entre si, num fluir monótono e sem sobressalto interior:

O alferes Ramalho meteu-se no seu posto. O major exortou o cozinheiro a pôr mais sal na comida. O comandante foi dormir a sesta entre os seus bidões. O médico bocejou. O capelão agarrou no breviário. A tarde acumulava nuvens. A transpiração progredia. O tornado avizinhava-se. O prisioneiro negro balouçava os pés. (Garcia, 2017: 168).

Num contexto destes, a figura do alferes Ramalho constitui um elemento dissonante, em virtude do carácter excessivo de dois comportamentos fundamentais: a displicência com que se refere aos assuntos estritamente militares e deles trata e, por outro lado, o consumo de álcool, em sessões regulares, demoradas e excessivas. Se um e outro podem ser considerados como a recusa de acomodação e de conformação com um sistema em que a personagem foi integrada à força e em cujos valores não se revê, o segundo deles não deixa, apesar de tudo, de traduzir ambiguamente um processo de alheamento e de autodestruição, assinalado pelo narrador: «A essa hora [o alferes Ramalho] encontrava‑se geralmente bêbado, preso dum embrutecimento pouco visível exteriormente, à força de ser por dentro uma forma de resistir.» (Garcia, 2017: 170). O embrutecimento aqui referido, sem a dimensão avassaladora que atinge em Lugar de Massacre, traduz a progressiva degradação da personagem, a sua desumanização e a aproximação a um estado de irracionalidade que tem muito a ver com a condição animal.

O desfecho de «Performance» ocorre durante um ataque ao quartel pelas forças inimigas e durante o qual o alferes Trabuco, um veterano calejado pela guerra e pelas armas, se mantém abancado junto ao churrasco e rodeado de cerveja; a figura grotesca que o alferes Ramalho avista, «uns dentes salpicados de bocados de frango» (Garcia 2017: 172), representa esse embrutecimento da personagem numa situação em que a voracidade se sobrepõe à ameaça da morte e ao instinto de defesa.

No final, Ramalho e Trabuco envolvem-se numa briga despropositada (se a considerarmos fora de um quadro de alcoolismo) que assinala a eficácia devastadora da guerra sobre o homem, anulando-o, reduzindo-o a uma dimensão animal: «As metralhadoras insistiam na sua interminável competência. Bêbedos, incapazes de se susterem nas pernas, o veterano e o novato chafurdavam na lama.» (Garcia 2017: 174).

A citação irónica do vocábulo «competência», desviado do âmbito humano para o das armas, permite estabelecer um contraste com o carácter grotesco e sórdido da situação em que se encontram os dois militares, atordoados pelo álcool, rebaixados à condição de animais de pocilga. Representando simultaneamente o fim desta narrativa e do ciclo «a Linguagem», o excerto retoma os títulos das duas histórias que integram este último, explicitamente o da primeira e de modo implícito o da segunda, «Performance», mas invertendo-lhes o sentido: num caso, a competência é transferida para o campo das armas (e, entre elas, as do inimigo); no outro, a «performance» está reduzida a uma não competência, a uma luta pessoal degradante, na lama, enquanto a guerra efetiva se desenrola lateralmente, à margem.

A recontextualização irónica do léxico da teoria linguística traduz, em primeiro lugar, uma degradação do «sentido sério», científico,  que possui no contexto original, ou seja, a primeira vítima da ironia de  Martins Garcia é o próprio discurso metalinguístico (dupla ironia, por vir de um autor que era professor de introdução à linguística).

Em segundo lugar, a  utilização desse léxico no âmbito discursivo do universo militar põe a descoberto a sua não significação, o seu vazio semântico: a competência militar pretensamente adquirida acaba por não se traduzir na performance esperada. A narrativa das experiências no pântano guineense atesta isso mesmo e os comportamentos individuais demonstram exatamente o oposto dos objetivos inerentes à instrução, a preparação técnica torna-se inoperante quando confrontada com a visão concreta da guerra, do seu absurdo, da sua irracionalidade, da anulação da dignidade humana. Tudo se resume a linguagem oca,   o discurso oficial sobre «a pátria» atola-se com ela no lodo guineense.

Urbano Bettencourt

(Esta é uma versão ampliada da comunicação que apresentei ao XXIII Colóquio da Lusofonia, 27-31 de março, 2015, Fundão. Está incluída no meu livro de ensaios Sala de Espelhos. Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2.ª edição, 2022)

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NOTAS

[1] Katafaraum é uma nação e Katafaraum Ressurecto foram reunidos num único volume, Katafarauns, na reedição das obras de José Martins Garcia pela Companhia das Ilhas (2017). As minhas referências e número de página reenviam para esta última edição.

2  Na nota que escreveu para a 2.ª edição do seu livro (maio de 1974), José Martins Garcia explicita a criação do termo KATAFARAUM, melhor dizendo, as condições em que o vocábulo se lhe impôs, bem como os respetivos sentidos: desde a ressonância bíblica de Cafarnaum até ao processo linguístico de amálgama de «cada (kata, em grego) um fareja um», uma divisa adequada aos tempos do Estado Novo.

3 António Lopes: s.v.  «Competence/Performance, E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, http://www.edtl.com.pt, consultado a 14 de fevereiro de 2015.

4  Recorde-se que a primeira edição de Katafaraum é uma nação teve lugar em fevereiro de 1974. Esses nomes sinalizam a realidade de uma guerra efetiva, mas não pronunciável, impedida de ser nomeada fora dos ditames do discurso oficial. Numa entrevista ao jornal Açores, o próprio autor deu conta desses subterfúgios textuais em Lugar de Massacre (nomes estrangeirados, locais mais ou menos camuflados), por estar convencido de que não conseguiria publicar o livro em Portugal (Garcia, 1993: 9). Em todo o caso, como se vê, esses expedientes dissimulatórios vinham já de Katafaraum é uma nação, onde nos deparamos também com exemplos de antropónimos estrangeiros (Durand, Smith, Ramon) e de topónimos camuflados, (Takiá, Takau ou, no limite, um mero X). Na mesma entrevista, Martins Garcia manifesta a sua estranheza quanto ao facto de este livro não ter provocado a interferência da polícia política junto da editora.

5 Esta «paródia de guerra», como é designada pelo narrador, consiste num exercício prático com a duração de uma semana e destinado a proporcionar aos instruendos o contacto com o terreno e a testar também o nível e a eficácia da aprendizagem. A passagem do tempo é assinalada pela transformação progressiva das personagens e do seu aprumo, observável a partir do ponto de referência do incipit narrativo: «Saíram, barbeados, engraxados e seriamente inócuos, para o reino da competência.» (Garcia, 2017:137); posteriormente, os soldados-cadetes serão descritos como «ainda barbeados, mas desengraxados e seriamente abatidos» (idem, p. 140), mais tarde, «mal barbeados, completamente desengraxados, seriamente amarfanhados» (idem, p. 141) e, finalmente, «barbudos, sujíssimos e  seriamente deprimidos» (p. 150). O grau de competência é inversamente proporcional ao grau de degradação pessoal.

6 Termo do léxico guineense que designa um vasto terreno pantanoso, geralmente nas margens ou proximidade dos rios, e próprio para semear arroz, embora não necessariamente utilizado para esse fim.

REFERÊNCIAS

GARCIA, José Martins (2017), Katafarauns. Prefácio de João Pedro Porto. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas.

_________________(42016) Lugar de Massacre. Prefácio de João Nuno Almeida e Sousa. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas.

_________________ (1993) «Autonomia da Literatura Açoriana só com a Independência dos Açores»,   jornal Açores, 23 de setembro, pp. 8-11.


 

O exercício crítico de José Martins Garcia: Linguagem e Criação

MAchado Pires

No texto que escreveu como introdução a Exercício da Crítica, José Martins Garcia aproveitou para evocar o seu primeiro livro de crítica literária, precisamente Linguagem e Criação, escrito e publicado ainda em tempo de vigilância geral  e de  policiamento das ideias.

 O breve texto introdutório traz o mesmo título do livro e a indicação de Abril de 1994 como o tempo da sua escrita. A distância de vinte anos sobre a instauração da democracia em Portugal  proporciona a José Martins Garcia um comentário sobre as condições históricas e sociais da  crítica literária nos  tempos de censura, os constrangimentos a que esteve sujeita, de ordem externa e institucional, mas que acabavam  por projetar-se  nos procedimentos de autorregulação interna, no cuidado em evitar determinados termos não admitidos no  inventário lexical do discurso   político dominante. O   texto em causa  contém ainda elementos que nos ajudam a  compreender  o percurso da crítica em Portugal nesse arco de tempo, a  deriva ideológica trazida pelos ventos da liberdade e, num sentido diverso, a sua secundarização ou  quase anulação em termos públicos; paradoxalmente, esse foi um tempo marcado, a nível universitário, pela instabilidade crítica resultante  da diversidade das  metodologias  de aproximação e acesso às obras literárias, apoiadas em suportes teóricos que traduziam, por sua vez, diferentes concepções do seu objecto de análise e estudo.

Ora, ao balizar com duas obras suas  esse período de sensivelmente vinte anos e  enunciar em traços muito  gerais o quadro evolutivo da crítica em Portugal,  José Martins Garcia permite-nos situar devidamente Linguagem e Criação no  contexto dos anos setenta, no plano da teoria literária em vigor e da subsequente actividade crítica. E ao mesmo tempo, nos comentários  que expende já em   concreto sobre  Exercício da Crítica, deixa à consideração  do leitor o reconhecimento de um percurso próprio, também ele submetido às oscilações e derivas metodológicas de abordagem da obra literária. Entre uma prática “centrada em questões linguísticas”  e outra  orientada para o “encontro da voz crítica com o cerne da obra avaliada”[1] vai, de facto, uma distância  que, podendo ser medida em tempo,  deverá ser avaliada sobretudo pelo  evidente  afastamento, dir-se-á mesmo descrença,  do autor em relação às metodologias, a algumas pelo menos, postas em prática nesse livro inicial e também pela diferente atitude perante a obra literária; trata-se de considerá-la já não um simples objecto pronto a submeter-se ao império de grelhas e modelos  previamente selecionados, mas como um universo  a que o crítico deverá adequar os seus instrumentos  de análise, no entendimento desse “indefinível” que em cada obra escapa à pura mecânica dos procedimentos técnicos.

No caso de Linguagem e Criação, o quadro teórico em que se integra a sua prática “centrada em questões linguísticas”   é o do estruturalismo em vigor na década de sessenta, ponto de chegada de um percurso teórico que se desenvolve sobretudo desde as primeiras décadas do século XX. Um percurso que tem como foco  a concepção da obra literária, a sua natureza, e que se constituiu como uma cadeia de atitudes reactivas, de que as mais notórias, a nível europeu, são o formalismo russo e o estruturalismo checo.  Em causa estão, por um lado, a perspetiva romântica da obra literária como manifestação expressiva, confessional, da subjectividade de um autor e, por outro lado, a abordagem  positivista,  que procura no autor a razão da obra, daí a sobrecarga de elementos de natureza biográfica e  histórica  aduzidos  pelo crítico para explicar a obra, ou seja, para justificar a sua génese. O que as diferentes formulações teóricas e escolas promovem é o progressivo desgaste do positivismo, num processo que vai descentrando o autor, cujo lugar vem a ser ocupado pelo texto. “A morte do autor” traduz-se, finalmente, na afirmação de que “a linguagem é o ser da literatura, o seu próprio mundo: a literatura está toda no acto de escrever.”[2] Por aqui se abre caminho a algumas questões e princípios fundamentais:  a diluição da representação mimética da literatura, pois  a linguagem já não é um meio, um instrumento ao serviço de uma realidade que lhe é exterior e anterior; o fechamento do texto sobre si mesmo, sobre a sua trama verbal, justifica uma leitura imanentista, atenta aos seus mecanismo internos de organização, de articulação, às suas estruturas. Sendo a literatura uma “irradiação de que a linguística  é o centro,”[3]  torna-se  possível uma ciência da literatura cujo modelo será o linguístico, no sentido em que, tal como na linguística, também na literatura se podem estabelecer regras gerais de produção e funcionamento do sentido; a crítica literária ocupa-se  do sentido particular de cada obra, através de  processos de  desmontagem,   ordenação, redistribuição. Daqui resulta um trabalho de análise microscópica da linguagem, das  componentes lexicais e frásicas da matéria textual;  a crítica torna-se uma metalinguagem tecnicista e descritiva e, no seu propósito de racionalização e formalização das formas que constituem a literatura, constitui ainda um prolongamento do positivismo que pretendia combater, como afirma Eduardo Prado Coelho;[4] por seu lado, e lançando uma ponte entre os métodos formalistas  e a   filologia  do século XIX, Miguel Garcia-Posada escreve, num registo menos contido e formal,  que eles   “han sido el gran trampolim que esperaban filólogos com irresistible alma de tecnócratas de la literatura para lanzarse de cabeça a las aguas de la crítica literária.”[5]

Em jeito de síntese, poderá afirmar-se que, no mesmo passo em que assinalavam a sua importância no interior dos estudos literários, ao recentrarem a atenção na realidade concreta do texto, da obra, as metodologias formalistas ostentavam os sinais das suas limitações e insuficiências, ao consignarem  à literatura uma existência limitada  ao campo restrito da linguística.

Sabe-se, pelo referido texto introdutório  de Exercício da Crítica, que os textos de Linguagem e Criação foram escritos em 1971 e 1972, destinados a revistas e suplementos  literários; o   adjetivo “destinados” torna-se, neste caso, pertinente, dado que alguns desses textos foram impedidos de ser publicados, enquanto outros o foram, mas truncados pelo “exame prévio”, designação eufemística de “censura”. A sua apresentação  integral em Linguagem e Criação sem qualquer anotação sobre as vicissitudes por que passaram permite pensar numa  estratégia de silêncio que poderia evitar, na medida do possível, a atenção dos censores em relação à obra. Mas o desconhecimento da proveniência dos textos efetivamente publicados[6] impede-nos hoje de comparar a versão integral com a censurada e por aí tentar detetar as (des)razões que motivavam em cada caso a intervenção dos censores (também eles críticos, mas de outra espécie, naquilo que, etimologicamente, o vocábulo significa de “julgamento” e de “juízo”). Porque, sendo uma obra de crítica literária, Linguagem e Criação não deixa de refletir sobre questões gerais, a História Literária e a   crítica (melhor dizendo, sobre “as duas críticas”, para utilizar  o título do ensaio em que Roland Barthes se ocupa da situação francesa neste domínio nos anos sessenta[7]), mas sem perder de vista o contexto temporal e social de “certas latitudes” (expressão do autor).  Situam-se exatamente neste domínio os dois breves capítulos iniciais, “O Autêntico e o Vazio” (pp. 7-11) e “Acerca de História Literária” (pp. 15-18).

O primeiro deles constitui uma espécie de   réplica lançada a “certa crítica”  por um enunciador explicitamente colocado em campo oposto. As duas críticas, afinal. O texto de José Martins Garcia fornece elementos suficientes para detetarmos aí o confronto entre uma crítica tradicional, ideológica e valorativa,  e uma outra,  nova, cujos elementos caracterizadores e processos de trabalho surgem integrados no discurso, judicativo e condenatório, da primeira delas: “os tecnicistas, os desmontadores de textos, os analistas da linguagem” são, na verdade, termos que recobrem modos de actuação próprios da abordagem crítica do estruturalismo.

De resto, o artigo em questão reporta, em boa parte, o discurso dessa crítica institucional, para assinalar (e desmontar) o universo ideológico e a visão do mundo literário que lhe são próprios e denunciar o binarismo autêntico/vazio que, em termos éticos se desdobra no maniqueísmo bom/mau, sabendo-se que o primeiro termo é sempre reclamado como propriedade exclusiva por essa mesma crítica. Se o crítico institucional é já limitado na suas aptidões pela incapacidade de analisar  mesmo uma frase (e aí está de novo o traço linguístico da análise estrutural), embora isso o não impeça  de  pronunciar-se sobre um romance ou um conto, maior se torna essa limitação em virtude, escreve José Martins Garcia, da estreiteza de horizontes que o binarismo proporciona; a prova adequada disso vai buscá-la o autor a um texto de Nietzsche e ao exemplo do burro a  cujo elementar binarismo fónico correspondia uma limitadíssima  visão do mundo. É a vertente cáustica de um discurso  crítico que assomará ainda no último capítulo do livro, dedicado precisamente a Os Clandestinos, de Fernando Namora, e que ganhará outras dimensões e expressão em (quase) teóricos e malditos. Embora em tom menos agreste, a opinião de José Martins Garcia não deixará de acusar a vacuidade e a inépcia da crítica “humanista” que ocupa os circuitos de comunicação para divulgar e promover artefactos escritos que, por vezes, nada terão ver com literatura.

À parte isso, “O Autêntico e o Vazio” é ainda um texto sobre o papel e o relevo da crítica institucional, sobre o lugar de exclusividade  que ela ocupa no espaço público e  sobre o silenciamento a que a nova crítica é submetida “num país cujo clima embolorece as vozes discordantes e onde nem se permite que o discordante faça uma única demonstração dos seus préstimos” (p. 11). É um comentário que parte do particular para o geral, da literatura para o resto,  e assim se permite aludir ao regime de opinião única reinante no país.

De algum modo, são ainda a crítica e alguns mecanismos da instituição literária que estão no centro de “Acerca de História Literária”. José Martins Garcia parte de uma citação de Paul Valéry, que idealizava uma História da Literatura que rasurasse a história dos autores e das suas obras e se ocupasse apenas do Espírito, enquanto produtor e consumidor; essa História poderia mesmo escrever-se sem a referência a um único escritor. Por coincidência, é a mesma citação que Genette aproveita para uma reflexão, de matriz estruturalista, sobre a natureza de uma História que considerasse a literatura como um sistema global coerente e não uma  simples colecção de obras com a sua história individual.[8]

José Martins Garcia aproveita para questionar os próprios termos de Valéry  e referir a tendência positivista que continua a conceder ainda demasiada importância às minúcias biográficas do autor; a visada é mais uma vez a velha crítica e a sua aproximação extrínseca à obra literária. Mas o autor acaba por centrar-se nos mecanismos editoriais e  de circulação das obras, nos de repressão e supressão também, para passar a enumerar determinadas classes de obras que nunca poderão integrar uma História da Literatura, porque nunca acederam ao domínio do público, por razões de ordem vária, desde as socialmente inconvenientes às rejeitadas pelos mecanismos  editoriais,  das esquecidas nas gavetas às destruídas pelo fogo “purificador”  ou mesmo àquelas que não puderam ser escritas porque o mesmo fogo consumiu os seus autores antes do tempo próprio. Em suma, uma História Literária que  deveria ser, mas nunca será, a história das obras que o mundo aniquilou ao não conceder-lhes condições de existência. E que teria, no atualmente do texto, matéria suficiente com que ocupar-se, diz-se ou deixa-se dizer no não-dito do discurso.

Aparentemente, o primeiro texto crítico de Linguagem e Criação, e crítico no sentido em que se ocupa de uma obra particular, corresponde a “Drácula: Ser de Papel”, que tem como pretexto uma edição portuguesa de Drácula, de Bram Stoker. Mas o artigo abre com um excurso teórico centrado na conceção de personagem,  que a expressão apositiva “Ser de Papel”, de proveniência barthesiana, ajuda a antecipar. Trata-se de afirmar a natureza verbal, linguística, da personagem e denunciar a ilusão mimética e  até  o (pouco) sentido de uma crítica “humanística” sempre pronta a falar de algumas personagens como “seres profundamente humanos”; ao mesmo tempo, denuncia-se essa espécie de leitura de reconhecimento cujo objectivo principal consistirá em averiguar como é que cada personagem (e também os eventos ficcionais) corresponde a entidades concretas, como é que “transporta” para o interior do texto literário pessoas do mundo empírico, que aí se veriam retratadas,[9]  Neste contexto, a personagem Drácula  é um bom contra-exemplo, na medida em que a sua existência é função pura e simples das “condições de existência do texto”.

É já num momento adiantado de Linguagem e Criação que encontramos uma referência explícita a metodologias de análise e de aproximação ao texto:

 

A escolha  [do fragmento]   que efectuámos    não pode justificar-se por uma simples leitura, seja esta rápida ou atenta, mas por várias releituras, todas elas tentativas conducentes à  determinação dum passo onde se possam encontrar, em estado embrionário, os processos linguísticos que funcionam como constantes na produção dum autor.[10]

 

Uma fase prévia do labor crítico consiste, pois, na busca de um traço, um “processo linguístico” que, pela sua pertinência e extensão,  possa ser tomado com princípio operatório na produção de sentido. É de uma operação de natureza linguística que aqui se fala e de um trabalho à pequena dimensão sintática ou morfossintática, ao nível da análise microscópica  da língua, seja ela a da estrutura da frase,  a composição do sintagma, um esquema fonológico  ou tão-somente  a de um elemento categorial da língua.  E é este “programa”, com variações e combinatórias, que se aplica, afinal, à  crítica dos textos literários de que o autor se ocupa. Pode pensar-se  na crítica de A Funda (pp. 39-49) e no seu suporte teórico, a definição da categoria “verbo” apresentada no século XVII pela chamada Gramática de Port Royal, e em como a não utilização do verbo em determinados enunciados serve o intuito irónico. Pode pensar-se também no ensaio “A Linguagem de Álvaro Guerra” (pp. 51-66) e na exploração levada a cabo das virtualidades significantes das conjunções coordenativas e, mas, ou. Veja-se também a abordagem de Luuanda (pp. 83-93), aqui na perspetiva puramente linguística de um subsistema que vai alterando as regras do sistema europeu  e dele se vai afastando e que, nesse afastamento,  atesta e estipula uma nova visão do mundo. Atente-se ainda, e finalmente, no texto sobre Os Clandestinos (pp. 164-178), em que a intenção caricatural,  sarcástica, assenta numa base linguística (quase de estatística linguística, poder-se-ia dizer); é  a linguística  a impor a sua lei e os seus modelos, projetando-se até em determinados esquemas, como, por exemplo,   no recurso à representação em caixa (no texto “O Subjacente e a Escrita em Memória”, pp. 67-82).

Não obstante, este rigor da abordagem centrada no próprio texto não recusará, poucos anos depois, um título como Vitorino Nemésio. A Obra e o Homem, que parecia representar uma cedência ao biografismo anteriormente anatematizado.  Pode sempre dizer-se que a componente biográfica, com o contributo das “notas autobiográficas” de Nemésio,  constitui aí parte pouco relevante, ao menos em extensão e profundidade,  e que é muito mais significativa a componente ensaística e crítica, já muito mais fluida e flexível; a verdade é que ao reformular esse livro, ampliando-o em termos de análise, José Martins Garcia lhe alterou o subtítulo,[11] introduzindo um outro, que desloca o sentido para o domínio da criação  e da obra, mas sem abolir os elementos (auto)biográficos que vinham do antecedente.

Talvez possamos ver nisso o  sintoma de um percurso pessoal num contexto temporal que viu sucederem-se, ou no mínimo sobreporem-se, as metodologias críticas e as próprias conceções da literatura. Afinal,  “cada época, cada metodologia, cada crítico se adecuará mejor a unos sistemas textuales sobre otros, se interesará más vitalmente por unos aspectos del sistema, según las afinidades electivas o la necessidad actual científica.”[12]  Em José Martins Garcia é possível constatar  esse movimento, da rigidez analítica, unidimensional, de Linguagem e Criação até uma prática mais flexível e mais plural que os livros posteriores atestam, com o recurso a suportes teóricos mais variados (mesmo sem banir a componente linguística), daí resultando uma compreensão muito mais alargada da obra literária, porque observada a partir de diferentes ângulos.

José Guilherme Merquior sintetiza alguns aspetos da crítica moderna num capítulo intitulado  “A Ilusão Metalinguística.”[13], num jogo óbvio com “a ilusão referencial” que a crítica estruturalista tanto combateu. Aquilo a que assistimos no referido texto introdutório de Exercício da Crítica é já a uma confissão de “desilusão metalinguística” por parte do autor, ao menos nos termos exclusivistas e totalitários em que a metalinguagem era exercida em Linguagem e Criação. Que essa crítica quisesse impor a sua voz única a um tempo que condenava exatamente pelo sentido único da sua voz é que pode parecer paradoxal. E se a crítica não deixa de ser um discurso sobre um discurso, a crítica em liberdade (cívica, mas também teórica) pode abrir-se à pluralidade  dos discursos e dos sentidos da obra.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_________________   “Linguística e Literatura”,  Linguística e Literatura, trad. de Isabel Gonçalves e Margarida Barahona,   Lisboa:  Edições 70, 1976 (Langages, n.º 12, 1968).

_________________, Crítica e Verdade, trad. de Madalena da Cruz Ferreira,  Lisboa: Edições 70, 1978 (Critique et vérité, 1966).

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GARCIA, José Martins,  Linguagem e Criação. Lisboa: Assírio & Alvim, 1973.

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___________________, Vitorino Nemésio – à luz do Verbo. Lisboa: Vega, 1989.

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___________________,(quase) teóricos e malditos. Lisboa:  Edições Salamandra, 1999.

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MERQUIOR, José Guilherme, O Fantasma Romântico e outros ensaios. Petrópolis: Ed. Vozes, 1980.

 

NOTAS

[1] J.M.Garcia, Exercício da Crítica, p. 6.

[2] R.Barthes, “Da  Ciência à Literatura”, p. 14

[3] R.Barthes, “Linguística e Literatura”,   p. 9.

[4] E.P.Coelho, Os Universos da Crítica,  p. 216.

[5] M.Garcia-Posada, El Vicio Crítico,  p. 33.

[6] Apenas o ensaio “O subjacente e a escrita em Memória (de Álvaro Guerra)”  traz a indicação da sua publicação,  parcial,  em A Capital (13-12-1972) e na revista Colóquio/Letras, n.º 13,  Maio de 1973.

[7] R.Barthes, “Les Deux Critiques”, pp. 246-251.

[8] Gerard  Genette, “Structuralisme et critique littéraire» pp. 145-170 (para o caso, ver especialmente as páginas 165 e seguintes).

[9] Em (quase) teóricos e malditos José Martins Garcia retoma e desenvolve esta questão no capítulo “Leitura Insular”,  em tom mais jocoso e lançando mão de vários exemplos.  E  conclui que, nos Açores, o único romance capaz de escapar a uma leitura destas é Burra Preta com uma Lágrima, de Álamo Oliveira, cuja personagem principal é exatamente aquela trazida para o título da obra e em que, obviamente, ninguém se sentirá retratado.

[10] J.M.Garcia,  Linguagem e Criação, p. 111.

[11] J.M.Garcia, Vitorino Nemésio – à luz do Verbo.

[12] P. A.de Haro, “La crítica literaria actual: delimitación y definición”,  p. 18

[13] J.G.Merquior, O Fantasma Romântico,  pp. 55-60.

 

(Incluído em AAVV (2016),  Da Literatura e da Cultura. Homenagem a António Machado Pires. Ponta Delgada: Letras Lavadas edições, pp. 471-480.